Pé Frio

Era sexta-feira do dia quatorze de dezembro de mil novecentos e lá vai bolinha.
            Alberto se despede da turma do trabalho e vai correndo para o boteco do Manoel tomar exatos três copos de cerveja antes das seis e quarenta e cinco. Logo depois, ele corre para o boteco do Antônio e toma cinco pingas. Uma para cada gol convertido no pênalti. Alberto é apaixonado por futebol e maluco pelo time de coração, o América do Rio. Este amor todo é graças ao pai, o senhor Alaor. No parto do Alberto, Alaor aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo não queria deixar o médico fazer a cirurgia só por quê era flamenguista. O Flamengo tinha vencido o América na final do carioca naquele ano. Por conta disso, ele preferiu desembolsar quatrocentos e cinco reais a mais no parto para ter um médico tricolor, vascaíno ou até mesmo botafoguense. Se achasse um por aí.
             Alberto não era só apaixonado pelo time. Ao longo dos anos ele criou várias superstição antes dos jogos decisivos. Tomar três cervejas e cinco pingas explica bem o nível da maluquice. A dona Carmem, a mulher do maluco, já tinha se acostumado com as manias do maridão. Sem querer ela virou parte de uma das superstições do marido. Cinco anos atrás, o América venceu por três a zero o time do vasco na final da taça Guanabara. O Alberto chegou em casa louco de alegria e de cachaça. E ao se deparar com a Carmem com vestido preto e branco, quase partiu desta para melhor. Foi aí que ele criou mais uma superstição: 
             - Em todos os jogos você sempre vai colocar um vestido com as cores do adversário. - falou Alberto antes de cair no sofá de bêbado.
            E naquela sexta-feira, Alberto se preparava para mais um final de semana das superstições. Depois das pingas, ele chegou em casa e jantou apenas frango frito. Diz ele que ajuda a enfraquecer o urubu. 
            Na véspera do jogo, sábado, Alberto gostava de ficar trancado em casa. Tinha visto na reportagem do Fantástico que o astronauta antes de ir para o espaço fica preso 48 horas para não contrair nenhuma bactéria. E para não contrair nenhum azar ou má sorte, ele preferia ficar em casa. A mulher também não podia se quer pisar na calçada. Vizinhos? Nem pensar. Nada e nem ninguém.
             Finalmente o domingão chegou. Alberto não aguentava mais de nervosismo. As unhas do pé já estavam na boca. As das mãos, cortadas e trituradas no chão da sala. Não podia nem piscar. Apenas ficava ali, no canto da sala olhando para a TV. A mulher já estava vestida. 
           Faltando dez minutos para o jogo começar, Alberto desliga a televisão, caminha até a mulher para avisá-la que está indo para o quarto. Esta é a última superstição dele. Não assistir a nenhuma decisão ao vivo. Ele fica esperando a patroa subir até o quarto para informar o resultado. Desde garoto nunca assistiu a nenhuma final do América. Tudo pela superstição. 

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